Ao leitor

Ao leitor invisível, num sábado à tardezinha, na bagunça dos livros, no calor do cômodo, com o ruído do ventilador, o barulho dos carros, das motos. Àquele que não está fotografado na sala de leitura nem à beira da piscina, mas concentrado, num canto improvisado, onde se esquece do relógio e do seu espaço.

Ao leitor comum, não o estudioso nem o profissional das letras, mas o que faz da leitura um dos motivos para acordar todos os dias. O que se perde no sebo à procura de um escritor, sem guia nem roteiro de leitura, apenas tem um nome, Marguerite Duras, pode ser aquele Verão de 80, com o menino na capa. O que entra na livraria e depois de horas vai embora com as mãos vazias, porque aquele dia não era dia de comprar nada, mas a cabeça cheia. O que está no ônibus, no metrô, na fila, e que insiste em ler enquanto o mundo é só ruído.

Leitor sem gurus nem coachs. O que acha engraçado quando ouve “leitura ativa” e “leitura profunda”. Leitor sem tutor, desorientado, subversivo, desabrigado, louco, andarilho, à margem dos cursos, aluno que lhe foi retirado, ainda cedo, na escola, o sabor das amoras colhidas ali na hora, sujando mãos e roupas, lambuzando-se. O errante, peregrino, o que reencontra a vontade de viver depois do trauma, o sobrevivente do horror e agora é refugiado, o que cai em abismos nas madrugadas de sábado, as vozes na cabeça espantando o sono, que não cede à intermediários, mas bebe da nascente.

O que imprime nas páginas, entre as linhas, as escritas de sua vida tortuosa, e que nesse mesmo momento, liberto dos compromissos da vida ordinária, prende-se às palavras, agarra as mãos do escritor e reescreve para si um sentido. Ao leitor, o livro.

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