Someone to Watch Over Me — Paul Wilson

O povo observou os pergaminhos caindo em meio à fumaça como uma bênção. Eram como folhas secas. Devido ao pânico, foi difícil dizer ao certo quantos caíram naquela hora. As chamas e tudo o que veio depois da explosão na escola formaram uma névoa muito densa para que as câmeras de televisão pudessem registrar; mas um repórter de uma agência de notícias confirmou que viu quatro deles caindo, e que ele ultrapassou o cordão de isolamento policial e foi em direção à escola, ao campo de esportes para recuperar um deles. Uma mulher, cujo filho sobreviveu, disse que viu meia dúzia de pergaminhos caindo. Em cada um deles havia um verso escrito num idioma que ninguém reconheceu — pensaram que fosse árabe ou sânscrito —, mas que depois foi identificado como hebraico; caíram distantes uns dos outros, suavemente, no solo. Alguns foram capturados nas correntes espirais de ar quente, enquanto passavam rente à casa de caldeiras ainda em chamas, e iam em direção ao chão, e se sacudiam e se dispersavam como pombas.

Nos dias seguintes, mais pergaminhos foram encontrados em Heslop Bridge, e bem longe, lá nos campos de Holker Fell e nos jardins dos comerciantes Cottee, a pouco mais de um quilômetro e meio da estrada — os Cottee, cujo filho fora um dos baleados na escola por Jason Orr. Keith e Karen Cottee não foram os únicos. A maioria das famílias que perdeu os filhos naquele episódio do cerco acordaria nos dias seguintes e daria conta de que foi presenteada com frágeis e amarelados pergaminhos. Os últimos a caírem em Heslop Bridge foram encontrados e recolhidos debaixo do altar da igreja, numa manhã, durante as celebrações em memória dos mortos na Primeira Guerra Mundial. Depois disso, Brendan Moon — um homem com um recorde em desmascarar pastores fraudulentos e com o simples whishful thinking dos amantes aflitos — foi designado para o caso, para refutar o milagre.

Ao todo, dezoito pergaminhos foram recuperados. Ninguém tinha certeza se todos eles caíram ao mesmo tempo, e ficaram esperando para serem encontrados ou se caíram pela pequena cidade em alguma sequência preordenada na escuridão das horas depois do massacre — logo após o anoitecer surgir como um ferimento, colorindo os navios de nuvens de roxo e de azul cobalto — e na santidade silenciosa das noites que se seguiram. Mas todos concordaram que eles haviam caído. Do céu.

Brendan Moon tinha trinta e oito anos. Uma idade em que todas as coisas deveriam parecer ainda possíveis. Se ele escolhesse, poderia certamente começar tudo de novo. Poderia seguir os passos de Hemingway — ele raciocinava — e alugar um quarto em San Sebastián, nas montanhas, com vista para o porto, e dar aulas de inglês para pagar o aluguel, e ver os barcos avançarem no caminho de volta ao porto, em cada fim de tarde, passando pelas traineiras de sardinhas. Poderia fazer as malas na madrugada, e abrir um bar numa ilha grega. Poderia viajar pela Silk Route em um jipe, ou cruzar a América pegando carona. Poderia deixar o Mercantile Municipal — onde trabalhara por doze anos e fora transferido para Londres, promovido duas vezes —, e fazer quaisquer dessas coisas. Ainda desconhecia o som das portas se fechando, suavemente, para as possibilidades da vida futura.

No entanto, há um momento em que o impulso gradual da vida se revela como uma súbita maré, forte demais para nadar contra ela. Há um momento em que a chance de recomeçar tudo de novo se torna uma ilusão. A carga daquilo que passou permanece pesada. Ao alcançar a idade de trinta e oito anos, certas coisas se mantêm verdadeiras. Ao imaginar seu futuro, mal parecia importar-se de que havia partes do trabalho das quais ele não gostava, ou que não tinha responsabilidades fora do trabalho — se um dia ele ligasse para o escritório e dissesse que estava indo para Provença ou Toscana, as pessoas iriam considerá-lo, por algumas horas, um irresponsável. O fato é que ele era uma história de sucesso no departamento de negócios e fraudes do Mercantile Municipal. Tinha talento naquilo que fazia, ganhava bem. Gostava desse negócio de conduzir casos, da liberdade, de desmascarar as falhas, de revelar a verdade que decepciona. Fizera isso por tanto tempo, que a diferença entre ele e isso, às vezes, era difícil de enxergar. Também era verdade que ele desconfiava de grandes gestos, de decisões precipitadas. Vira pessoas ficarem de joelhos o suficiente para ele saber que sair intacto era simplesmente uma conquista muito além do alcance da maioria das pessoas com quem ele lidava no dia a dia. Brendan Moon determinou para si que sairia intacto.

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